W.E.B Du Bois contra os liberais
O pensamento de Du Bois nas trincheiras das Relações Internacionais.
À Tese
Em março de 2023, defendi minha tese de doutorado, na qual concluí que o pensamento negro, especialmente a partir da Escola de Howard de Relações Internacionais e com ênfase nas contribuições de W.E.B. Du Bois, representou um movimento contra-hegemônico significativo. Minha pesquisa se concentrou na disciplina de Relações Internacionais, que emergiu no início do século passado.
Cheguei à conclusão de que o pensamento negro não apenas desafiou a supremacia da branquitude, mas também redefiniu o campo social e político internacional com novos significados.
Mudou o que entendemos por Relações Internacionais, destacando que outros marcadores são mais relevantes do que aqueles escolhidos pelos cânones tradicionais (anarquia e estado de natureza, por exemplo). É impossível pensar em Relações Internacionais sem considerar o racismo, o colonialismo, o imperialismo e a hierarquia racial.
Para isso, ele teve que enfrentar uma sociedade norte-americana violentamente racista, além daqueles que ignoravam essas questões, silenciavam diante do terror ou eram condescendentes com os movimentos expansionistas, um padrão comum na política externa das potências ocidentais a partir de meados do século XIX.
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Du Bois contra os liberais
Enquanto os liberais da virada do século XIX para o XX estavam focados em melhorar os resultados da política imperialista, frequentemente chamada de Administração colonial, muitos desses autores justificavam o imperialismo e a colonização sob o pretexto de “cuidar dos interesses públicos globais”. Na prática, isso resultava em invasões, ocupações e na exportação de grande violência para os continentes africano e asiático...
Ao mesmo tempo, esses liberais dividiam o mundo em "bárbaros" e "civilizados" e reproduziam uma ciência altamente racista, ancorada em um tipo de darwinismo social que permeava desde a antropologia até a biologia. Tratavam os povos negros como crianças "incapazes" de se autogovernarem — o que ficou conhecido como ‘imperialismo paternalista’ — justificando a tutela e a violência a partir da desumanização, em uma clara continuação da escravização e do racismo.
Enquanto dividiam a administração política e econômica do continente africano entre os países da Europa Central, como Inglaterra, Alemanha, França, Bélgica, Portugal, entre outros, levavam adiante um claro projeto de supremacia branca.
Por outro lado, Du Bois lutava para mostrar o caráter racial das relações entre os Estados, denunciando que as relações internacionais eram, na verdade, relações raciais. Ele argumentava que havia uma clara hierarquia entre as nações, uma hierarquia racial em que a branquitude prosperava, relegando os povos não brancos à miséria, ao descaso e ao terror do preconceito racial.
Denunciando que o capitalismo se organizava através da exploração dos negros, inclusive pelos trabalhadores brancos pobres, todos racialmente unidos. Du Bois argumentava que o capitalismo racial assumia uma forma internacional. A hierarquia internacional juntamente com a expansão dos impérios ultramarinos em busca de novos mercados, combinada com a tutela política fundamentada na supremacia branca, implicam um racismo global intrinsecamente associado ao capitalismo.
Du Bois foi certeiro nos seus diagnósticos ao defender que as raízes da Grande Guerra eram africanas. Estava na África a corrida imperialista-europeia-branca. A busca frenética das potências imperialista por riqueza desembocava no continente tido como o mais promissor e mais rico do planeta. O resultado, como sabemos, foi a terceirização da guerra para o continente, gerando mais violência e mais disputas internas.
O resultado: uma Europa próspera, conhecida pelo seu famoso 'estado de bem-estar social'. Mas a que custo?
O intelectual negro desafiou as fronteiras entre jurisdições nacionais e internacionais no que diz respeito a questões de raça e colonialismo, abordando-as de maneira política; defendendo o pan-africanismo.
Du Bois incorporou a linguagem internacional dos direitos das minorias e dos direitos humanos nas lutas por autodeterminação dos povos colonizados, visando desestabilizar as estruturas emergentes de autoridade jurídica que se fundamentavam na divisão rígida entre o nacional e o internacional.
Ele afirmou repetidamente que o problema do século XX era um problema de linha de cor, uma das frases mais impactantes que revelava um diagnóstico e prognóstico precisos, e mesmo assim foi silenciado por muitas décadas. O campo de Relações Internacionais não criou espaço para outras vozes serem ouvidas, mantendo-se enclausurado em debates interparadigmáticos que são mais convergentes do que divergentes.
O pensamento de Du Bois é diverso e deixou um legado importante para a sociologia, filosofia e literatura (mais recentemente, aparecendo na musica, especificamente em uma ópera!). Além disso, como muitos estudos exploram, ele oferece uma contribuição significativa para o campo das Relações Internacionais, que, embora possa parecer 'descolado', é profundamente cartesiano.
Alguns ainda questionam: por que Du Bois? Eu respondo: por que não?
*Capa do livro de Du Bois, W. E. B. e Hartman, S. O cometa + O fim da supremacia branca. Tradução de André Capilé, Cecília Floresta. São Paulo: Fósforo, 2021.