Um país insuportável.
Um Congresso que odeia o povo e legisla para os ricos.
Uma elite que se alimenta da miséria e não abre mão de um só privilégio, uma única isenção fiscal.
Nenhum sacrifício.
Tem como dar certo?
Um governo que não enfrenta essa elite, apenas compõe.
Um povo completamente, e propositalmente, desmobilizado.
Juros que enriquecem a Faria Lima e inviabilizam qualquer possibilidade de ascensão social.
Aliás, isso no Brasil é quase um crime.
Enfim, a receita perfeita de um país disfuncional.
Essa newsletter está mais para um “querido diário: mais um dia em um país insuportável”.
Mas é também uma constatação quase dada, quase óbvia. Daquelas que se repetem tanto que correm o risco de parecer normais. Não são. Talvez por isso eu escreva. Para não deixar que a náusea vire hábito. Para marcar no “papel” o que o país insiste em esfregar na nossa cara, dia após dia, como se fosse inevitável.
As notícias ruins se avolumam. É quarta-feira, véspera de feriado, e o país parece soterrado sob o peso de suas próprias estruturas podres (lembrei de Podres Poderes, sempre lembro). Ler um jornal, abrir um portal, assistir a um noticiário. Tudo se tornou um exercício de resistência emocional. O que se encontra ali não é informação. É desencanto em série. É a confirmação diária de que o Brasil insiste em falhar com seu povo.
De um lado, a lenga-lenga interminável de Bolsonaro e seus satélites, que seguem pautando o debate público como se ainda fossem governo. De outro, uma imprensa que, com rara exceção, se comporta como caixa de ressonância dos liberais, dos grandes liberais desse país (ironia), naturalizando absurdos em nome de uma suposta neutralidade.
Repetem tudo o que eles dizem. Dão manchete, dão palco, dão vida. Como se estivessem prestando um serviço público, quando na verdade estão apenas estendendo o tempo de existência de uma tragédia que já deveria estar no limbo. E o esquecimento, neste caso, não seria descaso. Seria alívio. Um favor histórico.
E as cansativas agências de pesquisa de opinião, então? Insistem em colocar o futuro-presidiário na corrida presidencial, alimentando sua claque, normalizando o inominável como se isso fosse parte do jogo democrático. Em nome de quê? Democracia? Isso está longe de ser. O que vemos é a repetição de um roteiro mofado, encenado por uma elite política, midiática e intelectual com a cabeça fincada no século XX.
Não há provocação, não há reinvenção, não há ruptura. Só o eterno retorno do mesmo (desculpa, Nietzsche, por usar seu termo vulgarmente): os mesmos nomes, os mesmos medos, os mesmos conchavos. A sensação é de regressão, não só política, mas também simbólica. Uma sociedade que marcha para trás, de olhos vendados, como no quadro de Paul Klee que Walter Benjamin tanto evocava: “É assim que se imagina o Anjo da História”.
E os novos? Onde estão as novas mentes pensantes? Os novos críticos? As novas cabeças? Parece que foram silenciadas antes mesmo de florescer. Ou então seguem falando, mas são sistematicamente ignoradas por uma engrenagem que só reconhece vozes já carimbadas. De preferência, as que não desafiam nada. Apenas gerenciam o naufrágio ou se mobilizam para manter tudo como está.
É isso. Um mundo repleto dos que não desafiam nada. Um desfile de conformismo bem-posto, bem-pago, bem-relacionado. As caras na TV são as mesmas de sempre. Os analistas, os colunistas, os debatedores. Todos parte de um clube exclusivo que gira em torno de si mesmo. Um circuito fechado de privilégios que nunca se reconhece como tal. E por isso mesmo, permanece.
Mas liberdade pra quem? Democracia pra quem? Expressão de quem?
Enquanto isso, as vozes dissonantes seguem à margem. Sem holofote. Sem patrocínio. Sem espaço. Porque pensar diferente, hoje, não é só incômodo. É perigoso. E é exatamente por isso que precisamos continuar.
Enquanto isso, o Congresso passa boiadas. O governo hesita. A Faria Lima brinda com espumante. E o povo segue desmobilizado. Não por falta de raiva, mas por falta de horizonte. Não por falta de revolta, como diria Camus, mas por não saber mais onde depositá-la. Nem com que linguagem reivindicar o futuro.
São 23h37 de uma véspera de feriado. Na TV, passa a Copa do Mundo de Clubes. E a imprensa, claro, faz sua cobertura colonizada. Como era de se esperar. Não é só entusiasmo pelo futebol europeu. É a reafirmação constante da europização. Eles são sempre melhores. Mesmo quando estão cansados, desfalcados, desinteressados. A narrativa já vem pronta. A condescendência é automática.
Poucas vozes dissonantes. Pouco incômodo. Pouco risco.
Como era de se esperar.